Justiça começa a decidir se rival da Barbie foi ou não criada na Mattel
Nicholas Casey
The Wall Street Journal, de Los Angeles
Quatro anos atrás, a Mattel Inc. implorou a seus empregados que ajudassem a salvar a Barbie ante o surgimento de uma nova linha de bonecas chamada Bratz.
"A Casa está em Chamas!", dizia uma apresentação interna sobre o declínio da icônica marca Barbie. A fatia de mercado estava caindo a uma velocidade apavorante, dizia a apresentação. A Barbie precisava ser mais "agressiva, revolucionária e impiedosa".
A convocação acabou levando aos tribunais. Num processo que deve ir a julgamento amanhã, na cidade de Riverside, Califórnia, a Mattel acusa a MGA Entertainment Inc., fabricante das Bratz, de basicamente roubar a idéia das bonecas de lábios grossos e cabeça grande. A Mattel está tentando recuperar a propriedade da linha Bratz, que analistas estimam vender por ano mais de US$ 500 milhões. A MGA já negou ter feito qualquer coisa errada e acusou a Mattel em outro processo de copiar a Bratz.
Na semana passada, o ex-desenhista da Mattel que vendeu o conceito da Bratz à MGA entrou num acordo confidencial com seu ex-empregador. A Mattel havia acusado o designer, Carter Bryant, de conceber a boneca quando estava na folha de pagamentos da Mattel. A Mattel afirma que Bryant abriu mão de suas reivindicações quanto à boneca. Já segundo a MGA o acordo não enfraquece sua posição no processo. Bryant não quis comentar.
O embate jurídico tem grandes implicações para ambas as empresas. A linha Bratz, que chegou às lojas em 2002 e logo se tornou a boneca mais quente do setor, responde por cerca de metade das receitas da MGA, uma empresa de capital fechado. Ela se tornou uma grande ameaça para a marca Barbie, que responde por vendas anuais estimadas em US$ 1,25 bilhão. A Mattel tem informado a investidores que está trabalhando para resolver os problemas da Barbie, mas as vendas da linha caíram 12% nos EUA no primeiro trimestre, quando concorrentes abocanharam fatias de seu mercado.
Documentos do processo divulgados recentemente revelam como a disputa entre as duas companhias ficou feia. Incomodada com o sucesso das Bratz, a Mattel contratou investigadores particulares para espionar um de seus próprios executivos, que ela suspeitava estar vazando segredos. E a MGA, possivelmente por temer o tipo de litígio que agora enfrenta, tentou abafar o papel de Bryant na criação da Bratz, demonstram emails internos.
A disputa se apóia, em parte, em quando Bryant teve a idéia das bonecas Bratz e rascunhou isso em seu caderno. Bryant já disse que ele não estava trabalhando para a Mattel na ocasião. A Mattel contratou especialistas forenses para verificar seu caderno numa tentativa de enfraquecer a versão de Bryant, indicam registros do tribunal. A MGA, de sua parte, argumentou em tribunal que muito tempo havia se passado para que a Mattel fizesse tal alegação de propriedade intelectual.
Bryant, hoje com 39 anos, desenhou roupas para bonecas da Mattel até 1998. Então, ele saiu da empresa e mudou-se para a casa dos pais no Estado de Missouri, para dar um tempo na vida de Los Angeles, segundo depoimentos juramentados de Bryant e seus pais. Quando passava de carro por uma escola secundária da cidade de Springfield, disse ele num depoimento, Bryant teve uma idéia que envolvia roupas e penteados.
Os adolescentes locais, disse ele, "estavam vestindo um tipo de, sabe, jeans grandes, de tamanho maior, 'baggy' (...) isso me fez pensar, tipo, não ia ser legal se houvesse alguns personagens que meio que representassem com precisão o adolescente de hoje". Bryant disse que voltou para casa para rascunhar uma idéia: garotas atrevidas com permanente no cabelo, barrigas à mostra e mão na cintura.
Em fins do ano seguinte, 1999, Bryant voltou à região de Los Angeles e assinou novo contrato com a Mattel.
Em seu depoimento, ele disse que começou a pensar nas Bratz de novo depois de voltar à Mattel, e chegou a registrar em cartório seus rascunhos para deixar claro que a idéia era sua. Ele disse que não acreditava que a Mattel se interessaria pelas personagens e não as mostrou para seu patrão. Ele as mostrou para Veronica Marlow, uma designer freelancer a quem ele mencionou a idéia pela primeira vez durante um treinamento de incêndio na Mattel, segundo o depoimento de Marlow. Meses mais tarde, ela havia saído da Mattel e estava trabalhando para a MGA. Ela se ofereceu para apresentar Bryant à empresa.
A MGA, que fica no Vale San Fernando, na Califórnia, foi fundada como Micro Games of America em 1979 por Isaac Larian. A princípio, ela vendia videogames baratos para aparelhos de mão. Documentos do processo indicam que a companhia estava perdendo dinheiro em 2000.
Em 1º de setembro de 2000, Bryant tirou um dia de folga na Mattel para reunir-se com Larian no seu escritório. Bryant chegou com uma pasta preta contendo seus rascunhos da Bratz e um pequeno modelo da boneca usando uma saia curta.
Larian disse em depoimento que expressou preocupações quanto à Mattel: "Perguntei a ele se era algo que ele estava fazendo para a Mattel (...) e ele disse 'Não'." Ele acrescentou: "Eu não queria ser processado." Bryant disse-lhe que era um projeto por fora, segundo os depoimentos de ambos. Cerca de duas semanas mais tarde, Larian ligou para a casa do designer e disse que estava interessado no projeto, disseram ambos.
Ele entrou para a MGA e o projeto Bratz foi posto em marcha.
Quando a boneca chegou às lojas, em 2002, gerou zunzunzum na mídia, em Wall Street e, mais importante, entre meninas. As vendas decolaram, gerando uma bonança para Bryant, que recebia royalties de 3% das vendas das linhas Bratz em que ele trabalhava. A Mattel mais tarde alegaria que ele recebeu mais de US$ 30 milhões com o contrato.
Em agosto de 2002, o diretor-presidente da Mattel, Robert Eckert, recebeu uma carta anônima. "Caro CEO", dizia a carta, "tenho uma informação que acho que a Mattel deveria investigar." A carta dizia que Bryant havia criado a Bratz quando estava na Mattel — alegando que ele havia "fechado um acordo com a MGA que lhe permitia receber uma grande soma de dinheiro por ano da MGA em troca de seu silêncio".
Em 2004, a linha Bratz tinha crescimento de vendas constante entre garotas entre 8 e 12 anos, e seu apelo estava espalhando-se para crianças de até 5 anos, o território principal da Barbie. A Mattel havia tentado atualizar sua marca com linhas urbano-chiques de nomes "My Scene" e "Flavas".
Num email de 2004 intitulado "Confidencial: A Convocação à Ação da Barbie", Timothy Kiplin, diretor da divisão de meninas da Mattel, lamentava que a empresa havia sido superada. Para resolver isso seriam necessárias "granadas", escreveu. "Complacência vai nos matar."
Num depoimento posterior, Ronald Brawer, um diretor da Mattel que foi trabalhar na MGA, mencionou que antes de sua saída uma estratégia que a Mattel cogitou foi "tentar vencer as Bratz processando até a morte".
Em abril de 2004, a Mattel abriu processo contra Bryant por seu envolvimento com um "concorrente" que supostamente havia recebido propriedade intelectual da Mattel. Em 2005, a MGA entrou com uma queixa contra a Mattel, alegando que a nova linha da Barbie tomava características das Bratz emprestadas. O processo deve ir a julgamento no terceiro trimestre. Em novembro de 2006, a Mattel acrescentou a MGA e Larian como réus em seu processo contra Bryant.
Advogados da MGA argumentam que a Mattel não protocolou suas queixas contra a MGA dentro do período de três anos para decurso de prazo de ações desse tipo. A MGA argumenta que o prazo começa a contar em 2002 com a carta anônima a Eckert sobre o papel de Bryant na criação da Bratz. É provável que a Mattel sabia do envolvimento de Bryant "já no dia em que ele se demitiu", diz Thomas Nolan, um advogado da MGA.
A Mattel afirma que só foi saber do envolvimento exato de Bryant com o surgimento da Bratz em 2003, quando uma reportagem do Wall Street Journal mencionou sua ligação. A empresa diz que a carta anônima era pouco para estabelecer o papel de Bryant.
O caso pode acabar se resumindo a uma análise dos primeiros desenhos de Bratz por Bryant.
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